Ela mordia o lábio inferior, concentrada no seu trabalho... As palavras ganhavam forma, letra a letra, redondinhas e bem desenhadas com tanto amor e orgulho! Seria uma surpresa extraordinária, a que Teresa daria à sua mãe...
Teresa era uma criança que tinha uma noção peculiar relativamente à passagem do tempo. Vivia no seu mundo próprio, que os crescidos apelidavam de "fantasia" e "imaginário", mas ela sabia-o bem real. Passava muito tempo a brincar sozinha, como filha única que era, e foi desenvolvendo uma faceta de exploradora. Numa dessas deambulações pela casa fez uma descoberta fantástica, um verdadeiro tesouro...
A sua preciosidade consistia num velho caderno forrado a veludo vermelho, cuja capa tinha sido bordada com ornamentadas letras douradas. Estava religiosamente guardado no fundo de um roupeiro bafiento com imensa roupa antiga. A curiosidade nata levou Teresa a folhear aquele estranho manuscrito. Intensos e delicados poemas de amor dançavam diante dos seus olhos, narrando uma história estrofe após estrofe.
A sua mãe ia ficar tão orgulhosa! Copiar palavras bonitas e complicadas com uma caligrafia perfeita.... Sim, porque aquele caderno devia ser muito importante para estar assim tão bem guardado...
Paciente e afincadamente, desenhava com cuidado cada letra, para ser um presente perfeito. Teresa sabia que a mãe não tinha muito tempo para brincar com ela, mas assim era a vida. Na sua sensatez de 7 anos de idade, compreendia muitas coisas, muitas além das que comentava. As gotas de suor corriam-lhe pela testa sem que se apercebesse.
Pronto!!! Teresa rodopiou feliz abraçada aos seus versos. Cuidadosamente dobrou a cópia, colocou-a num envelope, desenhou um grande coração e depositou-o em cima da almofada da mãe. Entretanto foi fazer os trabalhos de casa e arrumar o seu quarto, para não estar presente quando a mãe visse o envelope. Estava ansiosa por receber um beijo e abraço carinhosos, mas foi-se distraindo com os seus afazeres. Passado algum tempo, a porta do seu quarto abre-se com brusquidão.
"Quem te deu o direito de ires mexer nas minhas coisas? Onde está?"
Uma mão furiosa acerta-lhe no rosto ainda não refeito da surpresa.
"Nunca mais! Ouviste bem? Nunca mais te atrevas! Estás de castigo sua intrometida!"
A mãe agarra no caderno que estava pousado em cima da sua secretária, atira-lhe as suas folhas para o lixo, e sai do quarto batendo com a porta.
As lágrimas gritam a dor que a voz de Teresa não consegue clamar. De certeza que a mãe não leu até ao fim, não leu a dedicatória que ela tinha escrito. A culpa foi dela, devia tê-la colocado no início do poema. Nunca iria fazer nada suficientemente bem .... Nunca.....
Hoje, com 22 anos, nada mudou.